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Sim, isto é mais um blog de viagens (fu haters). Sem compromisso nem regularidade definida, vou relatar um pouco do que está a ser a minha experiência na Guiné-Bissau.
Num post anterior falei da minha percepção em relação a alguns aspectos sociais da Guiné-Bissau, particularizando os aspectos negativos. Claro que a cultura da Guiné-Bissau tem coisas boas e o facto de muitos aspectos serem diferentes da minha realidade portuguesa, torna cada dia uma descoberta cultural, para mim. Apesar de tudo, prevejo que este post vá ter a mesma estrutura algo desconexa que o outro post tem. Devo avisar, também, que não quero generalizar estes costumes para toda a Guiné-Bissau. O que eu conheço é a realidade duma zona rural do sul do país. E mesmo essa realidade, é de acordo com a minha prespectiva.
Então, a ideia geral que eu tenho é que as pessoas aqui são felizes. O dia-a-dia apresenta muitas dificuldades para os guineenses, desde o difícil acesso a electricidade, comida até à água. Mas é a realidade daqui, portanto, a vida é para continuar. As pessoas são descomplicadas e bastante práticas.
O primeiro hábito estranho que vou descrever é o simples acto de bater à porta. Vim para cá a pensar que só havia uma maneira de bater à porta. Em vez de bater na porta com o nó dos dedos da mão, como conhecemos, os guineenses param em frente à porta e dizem “cong cong”. Passei muito tempo a pensar porque é que haveriam de fazer isso, é uma maneira menos eficaz de fazer com que alguém vá abrir a porta (vezes demais, já deixei pessoas à porta da minha casa por não as ouvir a “bater à porta”). Depois de ter comentado com o Francisco, um estrangeiro que também desconhece a razão, ele disse que talvez seja porque nem sempre há portas. Claro! As casas aqui não são de grande qualidade de construção e uma das coisas que não devem ser necessárias são portas, devido às altas temperaturas. Em vez disso, as portas normalmente têm um pano qualquer, só para não se ver para dentro (claro que acontecem coisas de terem que expulsar seres indesejáveis, como eu já vi fazerem a um rato). De qualquer maneira, tal é o hábito de dizer “cong cong” em vez de bater à porta, que quando estão em frente a uma porta de madeira, continuam a dizer “cong cong”. Para não destoar ainda mais e ainda antes de saber a razão, comecei a fazer o mesmo. Rezo para que, quando voltar a Portugal, não mantenha este hábito ou então talvez perca os meus escassos 18 amigos.
Um outro hábito que reparei (e que não vai gastar um parágrafo com tamanho absurdo a descrever) é o facto de se oferecer a cadeira a qualquer pessoa mais velha que chegue. Não precisa de ser um idoso. Quando estou num espaço onde estão crianças a fazer alguma coisa sentados, por exemplo, é um cuidado imediato oferecer cadeira para eu me sentar. De qualquer maneira e já que estou a pensar nisso, os idosos parecem-me ser tidos em grande conta; são tratados com bastante respeito. É bonito.
Que mais? As pessoas cumprimentam-me 99% das vezes. Eu penso sempre que é bom cumprimentar, mesmo que tenha que ser eu a iniciar o protocolo, porque no caso de necessidade, eu fui o branquela que disse “bom dia”, talvez valha a pena fazer um esforço para ele não falecer. Mesmo que tenham cara de quem não gostam muito de mim, torcem o nariz mas respondem na mesma. Acho que é automático.
Há um costume que eu acho louvável. Como disse, acesso a água não é fácil aqui. São raras as famílias que têm canalização nas suas casas. Portanto, uma actividade do dia-a-dia é a ida ao poço. Muitas vezes são as famílias que fazem um poço na sua casa para que possam ter acesso a água. O que é bonito é que, mesmo que tenha sido uma família a fazer um poço, as famílias vizinhas podem usar esse poço para tirar água. É quase lei não se recusar água a ninguém aqui. Em termos de vida em comunidade, isso é muito fixe.
Vou só falar de mais um costume que conheci da pior maneira. Numa certa ocasião, já para lá da hora em que era suposto eu ter almoçado, decidi retirar um pacote de sementes da minha mochila, para as comer. Antes disso, deixem-me abusar da vossa paciência e falar-vos deste pacote de sementes.
Quando soube que vinha para uma zona isolada com pouco acesso a coisas, preparei-me em conformidade, principalmente em relação à alimentação. Já instalado aqui em Cacine, tenho racionado algumas coisas para que vão durando até ao fim da minha estadia. Por exemplo, os dois pacotes de sementes que trouxe. Só abri o segundo a, mais ou menos, 2/3 da minha estadia.
Voltando à história principal. Decidi oferecer, por boa educação, às pessoas que estavam comigo, maioria guineense, entregando o pacote de sementes. E não é que o pacote não voltou?! Granda lata, a ideia era tirarem um bocado, o suficiente para enganarem a fome, e devolverem-me o pacote, para que eu pudesse consumi-lo nas semanas seguintes, em pequenas porções. Quem foi enganado fui eu! Fiquei uns 2 minutos zangado a pensar sobre isto mas depois pensei “Jovem Português, esse protocolo de receber coisas e só retirar um bocado para ti, por boa educação, é a tua cultura, não é a cultura guineense. Estás a ser zé”. Fiz a paz comigo mesmo e aprendi a lição. Agora não ofereço nada a ninguém. Estou a brincar, vá.
Fim das histórias. Os choques culturais podem ser difíceis na altura mas, quando ultrapassados, estão a tornam-me uma pessoa mais culta e “maleável”. Além disso, geram histórias caricatas para dinamizar o meu dia e para vos contar, mesmo que seja num post grande para cacete. É muito isto.
P.S.: Descansa em paz, pacote de sementes. Foi bom conhecer-te, mesmo que tenha sido brevemente.