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Sim, isto é mais um blog de viagens (fu haters). Sem compromisso nem regularidade definida, vou relatar um pouco do que está a ser a minha experiência na Guiné-Bissau.
Pois bem, no último post descrevi a minha rotina aqui em Cacine. Nos próximos dois posts vou detalhar, um bocado mais, como estão a ser as aulas de Português que estou a dar na escola e as aulas de Informática que estou a dar na sede da associação.
Comecemos pelas aulas de Português, dadas por um jovem português na Guiné-Bissau. Vou aproveitar para descrever um pouco a vida na escola Betel, que pertence à associação.
A Escola Betel
A Escola Betel em Cacine foi um sonho do Valberto há mais de 20 anos atrás. Neste momento é um escola que dá educação a 600 e tal pessoas de Cacine e de tabancas próximas, desde o a pré-primária até ao 11º ano.
A escola, apesar de particular, tem um acordo e obedece a regras do Estado. Não sei, na totalidade, o que representa este acordo, mas sei que alguns professores do Estado estão destacados na escola Betel. Isto é útil porque, assim, há professores a lecionar que têm um curso superior e, por isso, estão qualificados para dar aulas a partir do 10º ano. O plano é que, no futuro, a escola também tenha o 12º ano, permitindo aos alunos estudarem mais em Cacine e evitando que tenham de ir para Bissau ou para outras cidades para o fazer.
Tirando isso, os restantes professores são guineenses voluntários da associação. Recebem salário para dar aulas do pré-primária ao 9º ano. Alguns já estudaram na escola Betel, outros estão a estudar na escola ao mesmo tempo.
A escola é composta por salas de aula (aí umas 6), uma biblioteca, uma casa dos estudantes (onde alguns alunos que moram em tabancas mais distantes vivem, durante a semana) e um espaço de refeição. Em frente à entrada da escola existe também um campo de futebol em terra batida, onde decorrem as aulas de Educação Física.
Como podem imaginar 6 salas de aula não chegam para dar aulas a mais de 11 turmas simultaneamente. Por essa razão, as aulas estão divididas por turnos. Da pré-primária ao 5º ano, os alunos têm aulas entre as 7h30 e a minha hora de almoço (não sei a hora exacta, caguei). O segundo turno é do 5º ao 9º ano, começa à hora de almoço e acaba antes das 16h. O terceiro turno é para os alunos do 10º e 11º ano, começa às 15h e acaba às 19h45.
A maioria das turmas são as únicas num determinado ano, ou seja, só há uma turma de 6º, 7º, 8º, 9º,... ano. O que é chato porque há turmas com mais de 40 alunos. Imaginem o que é aturar 40 miúdos de 13 anos com o pito aos saltos sendo que é proibido agredi-los. Vá pronto, estou a brincar.
O ano é dividido em 3 períodos, tal como em Portugal. No fim de cada período os alunos têm um teste de cada disciplina. Os testes ocorrem numa semana em que não há aulas. Curiosamente, os testes do segundo trimestre decorrem na próxima semana. Ouvi dizer que é uma experiência caricata vigiar esses testes. Se for mesmo, talvez venha aqui contar como foi.
A vida na escola
Visto que os alunos da escola pertencem a uma cultura da minha, alguns costumes da escola são novidade para mim.
Todas as segundas-feiras, por volta das 8h, os alunos do turno da manhã reuném-se em frente à escola para cantar o hino nacional. Antes disso, se houver um voluntário novo ou um visitante, cantam uma música de boas-vindas. Muito engraçado.
As turmas dos restantes turnos cantam o hino nacional, cada uma na sua sala de aula, na primeira aula do turno.
Quando o professor entra na sala, todos os alunos se levantam e dizem "Bom dia, sénhor proféssor". Só depois de eu responder "Bom dia, podem se sentar" é que eles o fazem.
Todos os alunos da escola usam uniforme. Da pré-primária ao 6º ano o uniforme é apenas uma cena verde que metem por cima do que tiverem vestido. Do 7º ao 9º ano usam uma t-shirt branca e não podem usar calções, só calças e saias compridas. O 10º e o 11º ano usam camisa branca, gravata e calças de cerimónia. Muito "colégio-like".
O uniforme dos professores é uma t-shirt da associação e também não podem usar calções. O que é uma treta, porque este vosso amigo veio à campeão para o bom tempo com apenas dois pares de calças e agora tem que as alternar todos os dias da semana. Além disso, só tenho duas t-shirts da associação para 5 dias da semana. Tenho que ir lavando as t-shirts durante a semana para evitar o cheiro a catinga.
O último costume que aqui vou mencionar não foi algo imposto no regulamento da escola, o Valberto disse-me que é algo da cultura guineense. Os alunos, no intervalo de cada aula, limpam a sala antes do professor chegar. É incrível, não é? Quer dizer, na verdade, são os alunos que deitam lixo no chão ao desbarato, mas este cuidado imposto pela cultura é notável.
As aulas de Português
Tal como mencionei neste post, aceitei continuar a dar algumas aulas de português, dando uma ajuda ao professor de Português das turmas de 5º e 6º ano. De todo o meu trabalho como voluntário na associação, dar as aulas de Português é o que me custa mais. Mas por outro lado, é a experiência mais significativa.
Passo a explicar: como eu disse, não me sinto nada à vontade para dar aulas de Português porque 1) não gosto da disciplina 2) não estou minimamente qualificado para ensiná-la. Resumindo, faltam-me os truques de ser professor; adaptar as ferramentas de ensino aos alunos. Eu tento preparar bem as aulas, mas se vejo que o que preparei não está a resultar, não é fácil mudar a aula para uma coisa que resulte. Depois também há o problema do nível dos alunos ser bastante baixo o que, por um lado, não exige tanto de mim na preparação da aula, por outro, significa que todos os métodos de ensino que arranjo são uma novidade para os alunos e demora até eles perceberem como fazer cada coisa. Depois de identificar os problemas que acho que eles têm a escrever e falar em português, decidi começar por investir na conjugação dos verbos nos tempos verbais mais simples. Não é que exista um plano curricular para eu seguir, portanto é um bocado como eu quiser. É impressionante que os alunos só quando chegam ao 10º ano é que costumam aprender a conjugar os verbos. Assim fica difícil. Muito da experiência passa por abstrair-me do que acho ser correcto e criticar apenas construtivamente. Não vim para aqui mudar o mundo, apenas conhecê-lo um pouco mais.
Tirando este queixume todo, digo que a experiência de ser professor é bastante significativa porque o facto de dar aulas de português afecta muitos alunos da escola. Dou aulas a duas turmas de 5º ano e uma turma de 6º ano. Ao todo, devem ser uns 100 alunos. De maneiras que quando vou a passear por Cacine, acontece, uma vez por outra, ouvir alguém a dizer "Professor Pedro". É um aluno ou uma aluna que vem cumprimentar-me. Até que é fixe.
É ainda mais incrível porque me posso descrever, de entre os diferentes tipos de professor, como sendo o professor fodido bipolar. O professor fodido bipolar é aquele professor que é duro, não dá muito espaço aos alunos para desobedecerem e quando o fazem, vão levar na cara (isto é, "na cara psicológica"). Mas também é aquele professor que gosta de momentos bem definidos na aula para brincar com os alunos. A faceta de professor fodido bipolar funciona particularmente bem com os alunos mais mal-comportados, mas que até estão interessados em aprender. Levam na cabeça, compreendem o porquê e fazem-no a rir.
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Neste post nem vou mentir e dizer que achava que ía ser um texto pequeno pa cacete. A verdade é que até foi díficil expôr toda a experiência da escola, tal é a quantidade de coisas que poderia dizer aqui. Se acharem que o texto está confuso e mal escrito, caros 13 amigos, imaginem o que aprendem os alunos nas minhas aulas*. É muito isto.
Despeço-me com um facto deprimente: existe um dia dos professores (anual) em que todos os professores se reunem para fazer uma almoçarada. Só ouvi dizer que foi giro, adivinhem onde estava o jovem Professor de Português nesse dia (never. ever. lucky).
*R: mau português.