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Bom, anteriormente referi quão más são as estradas aqui na Guiné-Bissau, especialmente aqui no Sul. As viaturas usadas também não são as melhores. Quando o terreno é mau, as opções não são muitas: jipe (vamos incluir a carrinha de caixa aberta nos jipes), mota, bicicleta ou pernas. Os jipes são fixes para carregar coisas. As motas são fixes porque são mais baratas. A bicicleta e as pernas só gastam pulmão, que é grátis.

Curiosamente, tanto os jipes como as motas dão para levar mais que 3 pessoas, vi várias famílias de 4 pessoas montadas na mesma mota.

O José tem dois jipes, um que usa para fazer viagens mais longas, tipo a Bissau. Só o tem há um ano,  antes fazia todas as viagens com o outro jipe que usa desde sempre aqui na Guiné-Bissau. Portanto é um jipe com 21 anos. É usado para viagens mais curtas, poupando assim o jipe mais recente. Para imaginarem o efeito de um jipe com 21 anos na Guiné-Bissau, digo que meter as mudanças é um desafio interessante e que os espelhos laterais não existem. Além disso, não tem travão de mão (a funcionar). Para parar o carro é pôr na primeira mudança e rezar para que ele não se mexa.

Não há muita gente que tenha veículos aqui em Cacine, por essa razão muitas vezes o José é solicitado para dar boleia às pessoas. Pouco depois da minha chegada, o José pediu-me que desse boleia a uns jovens da igreja que iriam fazer um acampamento pela altura do carnaval, por saber que eu tenho carta. Como era uma viagem relativamente curta (≈ 18 km), emprestou-me o jipe mais antigo.

Assim, depois do almoço, peguei no jipe e fui para o ponto de encontro, a igreja da comunidade. O que eu não fazia ideia é que havia tanta coisa para levar para o acampamento, nem tanta gente. Éramos 21 pessoas no mesmo jipe. Sim, 21, nós contámos. Além das pessoas, colchões, malas, um saco grande de arroz, um tambor, e a bela da coluna portátil (daquelas com meio metro de altura). Não percebi o porquê da coluna, porque mal arrancámos lá atrás começaram a cantar e a tocar tambor. Devo dizer que foi muito fixe, aqueles ritmos e melodias tipicamente africanas.

Como podem imaginar, um jipe velho, em terreno mau e 21 pessoas não é são as condições ideais para fazer uma viagem. O máximo que consegui foi pôr a segunda mudança, só para terem uma ideia.

Passados os  primeiros 15 minutos, começámos a entrar num caminho especialmente mau (como se já antes não fosse mau o suficiente). Além dos buracos, havia subidas infindáveis. A certa altura, o jipe deixou de colaborar numa subida. Fiz o óbvio e voltei um bocado atrás para ganhar balanço, nada. Com toda a naturalidade, alguns rapazes saíram de trás da caixa aberta (reduzindo o peso do carro) e começaram a empurrar o jipe (aumentando a força para subir). Algo me diz que car pushing é um desporto famoso aqui. Quando chegámos a um terreno mais plano, entraram todos e retomámos o caminho. Isto aconteceu por duas vezes. Na segunda, a subida estava a ser especialmente longa. Toda a gente saiu do jipe e, mesmo com ajuda manual, o jipe estava em esforço a subir. Além do fumo que o jipe deita pelo tubo de escape, comecei a sentir um cheiro não muito favorável: embraiagem queimada. Quando chegámos a terreno plano novamente, não conseguia que o jipe avançasse. Desliguei o carro, abri o capô…fumo branco (shit). Decidi desligar o carro e empurrámos até à localidade mais próxima (quando digo localidade são 4 casas à beira da estrada). O condutor da carrinha de transporte frigorífica a quem estávamos a bloquear o caminho parou para nos ajudar e abrindo o capô facilmente se percebeu que o disco da embraiagem estava queimado.

Toda aquela gente que estava a planear chegar a meio da tarde à tabanca onde iriam fazer o acampamento não imaginavam que o dia deles ainda ía a meio, nem eu.

Ligando ao José, ficou combinado que teríamos que esperar pelo mecânico que nos iria ajudar a levar o carro de volta para Cacine. O pessoal do acampamento começou a pedir boleia às motas que iam passando por ali de vez em quando (toda a gente se conhece). Primeiro, para levar as coisas mais pesadas (arroz e coluna portátil), depois para os levar a eles próprios. Alguns foram a pé, carregando as restantes coisas (um pequeno passeio de 8 a 10 kms). Foi incrível ver como o povo guineense resolve rapidamente os problemas, muito práticos.

Eu e o Alia, que me acompanhou para me indicar o caminho, ficámos à espera que o mecânico de Cacine, o Rei, chegasse. Sim, o nome dele é Rei, mais tarde também lhe fez jus. Ainda ficámos umas três horas à espera da realeza, como também é comum no povo guineense (pois, nem tudo é bom). Deu tempo para ir conversando com a malta que vive ali e com o Alia, até nos ofereceram comida (bons tropas). Passou rápido.

Quando o Rei chegou, de mota e acompanhado por um rapaz, já era noite. Ele ligou o jipe e, talvez por já estar um bocado mais arrefecido, o jipe já ía respondendo. Eu fui no jipe com o Rei, o Alia e outro rapaz foram na mota. Foi impressionante a velocidade com que o Rei fez aquele caminho de volta, até conseguiu pôr a terceira mudança. Estávamos quase a chegar ao destino, faltavam uns 300m e o jipe voltou a não responder. Foi aqui que o Rei foi rei. A primeira mudança não funcionava mas a marcha atrás funcionava relativamente bem, então o Rei foi o restante caminho dessa forma!!! Faço notar que em marcha atrás não há médios para iluminar a estrada…foi incrível. Quando chegámos ao portão, demos aquele empurrãozinho para ajudar a subir e…feito.

No fim, o José não ficou chateado portanto, por enquanto, vou continuar aqui em Cacine. Entretanto, o jipe já foi consertado

Deixo-vos aqui uma foto do momento antes de iniciarmos a viagem. Se repararem bem ao volante podem ver um jovem português, ainda uma criança inocente que não sabia que iria perder a vontade de sorrir, antes do fim do dia.

 

UNADJUSTEDNONRAW_thumb_8.jpg

 

Aventura grande pa cacete. Admito que o título foi click bait (aquela cena que os youtubers fixes costumam fazer). Senti-vos violados, 11 amigos.
É muito isto.

 

 

IMG_9701.jpg

 

 

 

 

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publicado às 19:00


2 comentários

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De Anónimo a 17.10.2018 às 19:08

Essa do rei foi um máximo. A foto dele?
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De Pedro do Vale a 19.10.2018 às 23:17

Caríssimo jovem.

Curiosamente, tenho uma foto com o Rei. Não consigo publicar aqui neste comentário a foto, mas publiquei no fim deste post.

Cumprimentos,
Pedro do Vale

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