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Relacionado com os aspectos "prático-filosóficos" mencionados no post passado da minha experiência aqui na Guiné, é a questão da saúde vs experiência.

 

Então, só para dar um contexto, eu sou um jovem um bocado despreocupado com as questões de saúde (vocês que o digam). No entanto, antes de vir para cá, falei com alguém que já tinha vindo que me chamou à atenção os vários cuidados que é preciso ter e as consequências de não os seguir. Pôs-me em alerta. O que se passa é que tudo é diferente do ambiente a que estou habituado em Portugal, a dizer: 1) ser um sítio com um clima muito atraente para todos os tipos de bichos, formalmente conhecidos como bactérias 2) é um sítio onde a higiene pública é um problema 3) o meu organismo não está preparado para este contraste.

O dilema com que me deparei aqui é a questão de ter demasiado cuidado e sobreviver a esta experiência contra aproveitar bem a experiência e falecer de forma dolorosa. O meu objectivo é manter-me no meio. Ou seja, não quero ser uma pessoa demasiado preocupada com os aspectos de saúde porque não vim aqui só para sobreviver, vim para fazer uma experiência. Também não convém ficar doente, porque quer dizer que não posso continuar a viver a experiência.

 

Água

 

Os cuidados a ter com a saúde estão relacionados com muitos aspectos práticos, um deles é a água. Diz que há bichos que fazem cocó na água e que não é muito bom beber dessa água. Onde estou a viver a água vem de um poço que está cá em casa, portanto é mais confiável que a água seja boa. No entanto, houve uma vez que o ponta da torneira da minha cozinha caiu e eu, ao montá-la de novo, deparei-me com uma boa quantidade de terra, que sempre esteve ali. Quando isto aconteceu, já estava há um mês e meio a usar aquela torneira. Se pudesse escolher, preferia não ter sabido.

 

Comida

 

Já aqui falei das maravilhas da cozinha guineense . Um dos costumes diferentes aqui é que as famílias comem todos da mesma tigela, o que é um belo momento de partilha, mas que me chocou ligeiramente a nível de higiene quando vi pela primeira vez. No meu dia-a-dia cada um come do seu prato mas já houve ocasiões em algumas ocasiões fui a casa de outras pessoas e comi dessa maneira original. Sobrevivi.

Já agora, aprendi que é uma ciência comer do mesmo prato que as outras pessoas. Normalmente há uma tigela maior só com arroz e a má fé (que pode ser peixe ou carne com um caldo qualquer) está numa panela à parte. Uma das pessoas distribui a má fé pela tigela do arroz. A regra mais importante é que cada um só come do seu lado da tigela; imaginem um circulo, come-se o que está na parede da tigela mais próxima de ti (estou a esforçar-me, mas não consigo explicar melhor que isto). Vai-se comendo até chegar ao centro da tigela. Quando já é díficil dizer qual é o teu espaço, não há grandes regras mas também já é quando toda a gente está satisfeita, à partida. Portanto, quem quiser, que coma. Engraçado de comer dessa maneira é que a malagueta já vem misturada. Tem sempre um bocado a mais do que o paladar deste jovem português tolera, mas também não é insuportável.

De resto, um cuidado a ter é com coisas que não são cozinhadas, quando não se sabe se foram bem lavadas. Por exemplo, é de evitar comer salada ou fruta. Um destes riscos, que facilmente pode passar despercebido, é beber uma bebida com gelo porque a água que foi usada para o gelo pode ter cocó de bichos. Como gelo é um luxo aqui em Cacine, nunca tive esse problema *vantagens*. Isto do gelo devia estar na secção da água, mas foi no seguimento do que estava a dizer. Vocês percebem.

 

Mosquitos

 

A malária é transmitida através da picada do mosquito, que normalmente estão a "laurear a pevide" desde o pôr-do-sol até amanhecer. Por isso, andar na rua nesse horário é um risco. O melhor que há a fazer é dar uma aula de informática das 20h às 21h30, dizem os médicos. Além disso, deveria dormir com rede mosquiteira, mas é granda seca. Não é muito mau porque a casa onde estou tem redes nas janelas. Antes da aula de informática ponho repelente para mitigar o risco, tem sido suficiente. Por outro lado, a malária demora entre 3 a 10 dias até manifestar os sintomas, seria irónico estar a escrever isto já com o destino traçado.

 

YOLO

 

O que nos leva a esta secção. Chamei-lhe YOLO mas na verdade também vou apregoar a moderação. Parte da experiência é arriscar e pôr de parte os cuidados que aqui falei para poder fazer a experiência cultural completa. Isto passa por comer como os guineenses e andar na rua à noite, sem pensar muito nos mosquitos. A minha estratégia para esta viagem foi arriscar gradualmente, para dar tempo ao meu organismo para se habituar.

Por exemplo, nos primeiros dias, em Bissau, até lavar os dentes usei água de garrafa. Nesses dias, comprei umas 15 garrafas de água e trouxe para Cacine. Desde então não comprei mais, façam as contas para os dias desde que estou cá. Mas tranquilo, trouxe umas pastilhas para desinfectar a água e uso-as num 1,5L de água por dia. Ao almoço, nas primeiras semanas, não bebia água porque sabia que vinha directamente do poço. Agora já bebo despreocupadamente. Também como salada, porque é raro quando há.

Claro que já fiz a pesquisa "how to know if you have parasites in my stool" e provavelmente tenho seres indesejados a conviver no meu estômago. O meu plano é, quando regressar a Portugal, ir a uma consulta para ver se está tudo ok. "Vai dar certo".

 

Acho que este post até é útil para quem vai passar algum tempo num país com um clima tropical. Aproveitem porque posts úteis não abundam neste blog, ao contrário de posts grandes pa cacete. Como estão as vossas fezes nestes dias, 22 amigos? É muito isto.

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9 comentários

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De Sara a 28.04.2018 às 21:23

Bom post e boa sorte por ai!
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De Pedro do Vale a 29.04.2018 às 00:15

Obrigado, cara jovem
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De Anónimo a 29.04.2018 às 15:24

passei dois anos ai estou bem de saude por isso ja nada-me afeta e mais nao foi em cidades mas sim no mato
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De Pedro do Vale a 29.04.2018 às 15:36

É isso mesmo. A vida no mato da Guiné-Bissau torna-nos mais resilientes. Dois anos ainda deve ajudar mais a isso.
Cumprimentos caro(a) jovem.
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De Catarina Costa a 29.04.2018 às 16:28

Nunca estive na Guiné, mas vivi 5 anos em Moçambique. Sei que aí é tudo muito mais agressivo, ainda assim, pela minha experiência, os terrores passam ao fim do primeiro mês e depois já nem te lembras do assunto...
Em relação à malária, o melhor conselho é: se não tens ar condicionado, adopta uma osga... A bicha aloja-se num canto do teu tecto, nem dás por ela, e como boa arrendatária que é, livra-te dos mosquitos (a propósito a malária só é transmitida pelas fêmeas, os machos são vegetarianos e não nos picam). Quanto a saíres à noite, podes sempre usar um repelente, roupa leve e larga, ou confiar na virgem padroeira das imunidades (é que há gente que realmente tem material genético que o torna imune ao parasita), em qualquer dos casos, já sabes, uma febre e uma dor de corpo/cabeça pode ser sempre algo mais grave do que parece e portanto, ao segundo dia, não facilitar e ir mesmo fazer um teste, seguramente que há-de haver por ai perto uma farmácia, ou um laboratório que os faz e habitualmente (dado a predominância da doença) são sempre baratos.
As frutas, podes comer à vontade, desde que as descasques, ou as laves muito bem com àgua de confiança, quanto à salada, mais cuidado, mas umas gotas de lixívia na água da lavagem ajudam sempre (e a lixívia é um bem universal e baratinho). Em relação à água, não custa ter o cuidado em ter sempre água previamente fervida e engarrafada à mão. De qualquer forma se ainda não adoeceste ao beber água dessa torneira, dificilmente irás adoecer disso, portanto, olhos fechados e lá está, confia na virgem das canalizações enferrujadas. Em princípio antes de sair de Portugal foste à consulta do viajante e levaste aquela catrefada toda de vacinas, entre as quais a da cólera e da febre amarela, portanto, tranquílo, nada de mal maior há-de acontecer. Para as diarreias e gastrites habituais e normalzinhas hidrata-te com água de coco que a coisa passa sem grande transtorno (apesar de te fazer sentir que vais morrer a qualquer momento). A propósito a água de coco verde é um excelente aliado para tudo, se tiveres à disposição, usa e abusa.
Quanto ao resto, diverte-te, aprende, usa preservativos e olha... lembra-te sempre "Africa is not for sissys"!

Um abraço,

Catarina
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De Pedro do Vale a 04.05.2018 às 13:05

Cara jovem Catarina,

Muitos dos conselhos que dás, deram-mos antes de eu fazer esta viagem. Outros estou aprender agora com a sabedoria da malta daqui. De qualquer maneira, muito obrigado. Sem dúvida este teu comentário complementa o meu post e poderá servir para quem vai fazer uma experiência num país deste tipo.

Já agora, para tratar do problema dos mosquitos, adoptei uma família de aranhas. O contracto que tenho com elas é: não as mato se elas tratarem dos mosquitos. Tem funcionado.

Cumprimentos,
Jovem Português
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De Costa Guimarães a 29.04.2018 às 23:41

Estive por lá porque fui obrigado durante a dita guerra colonial durante tres longos.anos
Tambem fui vitima do paludismo quatro vezes e digo lhes que nao é nada mesmo nada agradavel.Quando regressei em 1971 fiz um longo tratamento na estaçao paludica de Mirandela.
Felizmente mais nada aconteceu
Foram de facto tempos muito dificeis viver no mato dentro de pessimas condiçoes tanto alimentares como de habitaçao.
Hoje tanto eu como milhares de jovens que passamos por essa situação obrigatoria somos os eternos esquecidos dos palhaços dos politicos que têm desgovernado o nosso querido PAÍS,que só tem usufruido de todas as benesses a custa do nosso dinheiro.
Deixo um forte abraço a todos os camaradas que por lá passaram.
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De Pedro do Vale a 04.05.2018 às 13:09

Caro jovem,

Lamento que a tua experiência na Guiné-Bissau não tenha sido agradável.
Por aqui, os antigos combatentes são bastante lembrados aqui e não pelas piores razões. A história de Portugal e das colónias terá para sempre como protagonistas os combatentes, tanto de um lado como do outro.

Cumprimentos,
Jovem Português.
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De Narciso Baeta a 30.04.2018 às 12:11

A maré da mediocridade avança pela Guiné vinda do oceano, que é a sociedade no seu todo!

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