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Professor Pedro

19.02.18

Num dos últimos posts comecei a descrever a vida por aqui em Cacine. Neste, vou falar do meu trabalho como professor da Associação Amigos das Escolas da Guiné-Bissau (AAEGB). Antes de escrever este post, pensei que era bom deixar passar as primeiras semanas. Assim descrevo uma opinião já mais formada e não só o reflexo do choque inicial. No fim, apreciem um pequeno twist.

 

As aulas de informática

 

Então, visto que estudei Engenharia Informática e havendo falta de conhecimento por parte de pessoas aqui de Cacine em relação a computadores, foi-me proposto, como objectivo principal, dar aulas de Informática. A ideia seria dar aulas a duas turmas (≈ 12 pessoas cada), a primeira das 9h30 às 11h00 e a segunda das 20h00 às 21h30, para pessoas mais velhas que trabalham. Antes de começar as aulas não fazia ideia como é que ía preencher aulas de 1h30 durante 14 semanas, parecia-me demasiado. Na primeira aula, percebi que não iria ser difícil. Estamos a falar de uma turma de pessoas que nunca mexeu num computador. Como eu sou um jovem do ocidente nem me lembro muito bem de quando não sabia mexer num computador, portanto está a ser necessário fazer o exercício de pensar no que é o essencial de mexer no computador. Tem sido um desafio gigante à minha paciência, confesso que às vezes foge um bocadinho e nota-se na minha voz. Isto porque passos básicos como selecionar um ficheiro torna-se um desafio para alguns alunos e demoram uma eternidade até conseguirem fazê-lo. Vou sair daqui um monge budista.

É ainda mais complicado porque o projector que a associação tinha, que era usado nas aulas de informática para demonstrar certas operações, avariou. Em princípio, algures em Março vai chegar um novo projector, pode ser que aí arranje outra desculpa para estar a ser complicado dar aulas de Informática.

A segunda turma, a das 20h00, já é malta que teve aulas de informática, com um outro voluntário. 90% dessa turma são professores da escola Betel. Não é que seja fácil, o conhecimento continua ser pouco, mas já não estão a começar do zero no que toca a mexer em computadores, sempre dá mais pica.

No geral estou a gostar bastante de dar as aulas de informática, sinto que é mais a minha praia e penso que tenho alunos interessados nas aulas.

 

As aulas de português

 

Já antes de embarcar nesta aventura à Guiné-Bissau, o José me tinha pedido para dar aulas de português ao 5º e 6º ano, porque o professor que costuma dar essas aulas estava a receber tratamento médico em Bissau. Logo no primeiro dia de aulas o José também me pediu para substituir o professor de Português do 10º e 11º ano, porque o pai do professor que dá essas aulas morreu (os funerais demoram muitos dias). Aceitei sem problemas.

No primeiro dia de aulas percebi que não estava minimamente preparado para ensinar aquelas aulas. Fizemos um ditado e, quando pedi aos alunos para me irem mostrando o resultado, fiquei boquiaberto com a quantidade de erros que eles deram. E isto foi assim em todas as turmas (5º, 6º, 10º e 11º).
Só para contextualizar, Português é a língua oficial do país, mas não é a língua que o pessoal fala mais. Muito menos aqui em Cacine. Isto aliado ao facto dos professores não estarem preparados para dar aulas (comparativamente à educação em Portugal) faz com que o nível de Português ensinado nas escolas seja muito baixo. Não me interpretem mal, isto não é um caso em que é uma associação de voluntariado com muito boa vontade mas são uns coitadinhos. O problema é bem maior e é a nível nacional. Pelo que percebi a escola Betel está acima da média, o José contou-me que, nas escolas do estado, os professores nem sequer aparecem para dar aulas. Claro que depois não há milagres e escrevem coisas como “Guené Bissau”.

Foi uma semana muito puxada. Cada turma tem 5 tempos de 45 minutos de cada disciplina. Não tive tempo nenhum para preparar as aulas, como deve ser. Pedi para fazerem composições e coisas desse tipo, para poder perceber quais são as maiores dificuldades.

Felizmente na sexta-feira era o dia da entrega de provas (trimestrais) e os pais iam à escola. Por isso, não houve aulas. Na segunda semana, 2a 3a e 4a houve férias do Carnaval. Foi um período em que pude descansar bem e os professores puderam voltar.

Encontrei-me com o professor de Português do 5º e 6º ano e combinámos dividir a carga horária dessas turmas. Ainda estou a batalhar um bocado com este dilema. Por um lado, tenho completa noção que as minhas aulas de Português são uma merda e que me faltam muita experiência para ensinar. Já nem sei as cenas de gramática tipo tempos verbais e cenas dessas. Por outro lado, por ser português, tenho mais conhecimento natural da língua que os professores daqui e portanto estou mais habilitado que eles para dar Português, infelizmente. Deixei de lado o que acho ser um bom professor de português e, para já, vou continuar a dar aulas de 5º e 6º ano. Pode ser que ajude qualquer coisinha.

 

De professor a aluno

 

Como eu disse, apesar de Português ser a língua oficial da Guiné-Bissau, é o Crioulo a língua mais falada. Foi-me apresentada a oportunidade de ter aulas de Crioulo com um rapaz chamado Idrissa (meu aluno da aula de informática da noite, aluno do 11º na escola e professor de 5º ano de Matemática também na escola Betel). Também se fala um outro dialecto aqui no sul que é o susso (ou lá como se escreve), mas nesse nem vou mexer. É mesmo imperceptível.

Não acho que seja muito bom a aprender línguas e Crioulo parece-me particularmente difícil porque toda a gente fala rápido. Além disso, como referi, o nível de ensino por aqui é baixo, então que acho que as aulas também não são dadas da melhor forma. Passa muito por copiar frases em Crioulo e traduzi-las para português e ir lendo o que escrevi. Atenção não me estou a queixar nem quero parecer ingrato, o Professor Idrissa está a despender o seu tempo para me dar as aulas, a custo zero. Já é muito fixe da parte dele. Portanto, vou tendo as aulas, todos os dias da semana depois da aula de informática, das 21h30 às 22h30. Pode ser que daqui a uns meses escreva um post só em Crioulo. Não era fixe?

Posso sempre escrever um post numa língua inventada por mim. Duvido que vocês vão perceber a diferença e duvido que exista a língua Crioulo no google translate.

 

Epa, este post ficou grande pa cacete, mesmo omitindo algumas coisas destas primeiras aulas. Então e o nosso Benfica, 8 amigos?
É muito isto.

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publicado às 19:36


5 comentários

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De Isabel a 08.04.2018 às 04:16

Li alguns dos teus posts e acho piada que viraste pau para toda a obra
Mas deve estar a ser uma experiência para além do espectacular
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De Pedro do Vale a 08.04.2018 às 23:01

Se virei! Mas eles é que perdem, quanto mais aulas dou menos aprendem eheh
Obrigado pelo teu comentário e boa semana
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De Anónimo a 11.11.2018 às 18:26

Ola eu sou jovem youtuber (xico world) a viver na Suiça, esta semana vi uma palete de computadores para olixo em aparente bom estado, eu tenho varios amigos com computadores usados 3 ou 4 anos que não usam gostava de poder juntar alguns e enviar para os meninos da Guiné ou paises pobres.
Se alguém me poder ajudar eu arranjo os computadores e patrocinio para pagar as despesas.

https://www.youtube.com/watch?v=4D6EHFuOPrw
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De Anónimo a 11.11.2018 às 18:47

Ola eu sou jovem youtuber (xico world) a viver na Suiça, esta semana vi uma palete de computadores para olixo em aparente bom estado, eu tenho varios amigos com computadores usados 3 ou 4 anos que não usam gostava de poder juntar alguns e enviar para os meninos da Guiné ou paises pobres.
Se alguém me poder ajudar eu arranjo os computadores e patrocinio para pagar as despesas de envio, o meu problema sera so na Guiné Bissau.

https://www.youtube.com/watch?v=4D6EHFuOPrw

email cjca1974@gmail.com
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De Avelino Vaz Nawenhe a 20.03.2019 às 16:38

Olá, Pedro td bem aí?

Interessante o relato de experiências que estás tendo no sul da Guiné. É verdade que nesse país apenas uma pequena parte da população (13% conforme alguns investigadores do tema) fala o português. E por estranho que parece, é única reconhecida pelo Estado como língua oficial .

A questão do português é preocupante para nosso país, porém por infelicidade o poder público não a levou sério até hoje. O país tem uma língua nacional (o kriol/croulo) falada por mais de metade da população, contudo não é tomada como língua oficial e de escolarização. Consequências disso? Acho que todos nós sabemos.

p.s. o sosso/sussu que tu referiste, ele é uma língua tal como qualquer outra. Estou a falar isso porque o termo dialeto tem carga negativa, denota a ideia de que não se trata de uma língua. Aproveite ao máximo a oportunidade que tens por aí, abraços.

Avelino Vaz
Mestrando em Letras
Lavras - Minas Gerais/Brasil

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